Bebeu o que restava da garrafa de vinho, na esperança de a reencontrar no fundo do copo. Sorveu os lábios. Ergueu os olhos e procurou os dela. Nada. Apenas dois botões secos afogados entre as pregas da blusa.
Ela jazia quieta, encaixada no seu fato luzente de alabastro. O seu único movimento saía-lhe da boca, um pedal mecânico que seguia mastigando aquela distância fria que os separava.
Sentados assim, frente a frente, afirmavam-se como dois pólos glaciais em flagrante oposição, dois nacos de gelo à deriva num mar hostil, sem qualquer meridiano de afecto que os amarrasse a um continente comum.
Levantaram-se da mesa. Ela apressou-se dois passos à frente dele, ambos os braços cruzados numa cerca fechada. Ele seguiu atrás dela, destilando a sua sombra com a ponta dos sapatos, na procura de uma essência que sabia estar, há muito tempo, extinta.


Sem comentários: