O Baile

Mariana fora ao baile apenas porque a irmã lho implorara. Na semana anterior, foram as duas lado a lado, de ombros em uníssono, pedir ao pai que as deixasse ir ao baile de domingo.
— Baile? O que é que vocês querem ir fazer ao baile?
— Dançar um pouco, meu pai… Não tem nada de mal, e a Mariana também quer ir…
Mariana sempre fora a preferida de seu pai. Rapariga forte e severa, um rosto volfrâmico que nunca cedia, mãos resistentes às agruras do campo, menina obediente, calada. Já as irmãs eram umas andorinhas tontas, só sabiam chilrear de beiral em beiral e nunca o ajudavam quando ele precisava.
— Também queres ir, Mariana?
— Sim, meu pai… Quero ir ao baile com a Madalena…
O velho tirou a boina e consultou a cabeça com a ponta dos dedos.
— Sendo assim… Vão lá dançar. Mas tenham juízo, ouviram? Muito juízo!
No entanto, Mariana não tinha vontade nenhuma de ir ao baile. Músicas e cantorias nada lhe diziam: para ela, eram pura perda de tempo. Claramente, Madalena não partilhava dessa opinião.
— Anda dançar! — ofegou, corada e desalinhada, pegando na mão fria da irmã. Mariana resistiu ao convite, escondendo a mão no fundo do bolso da saia. Com ar pesado de mina funda, protestou:
— Não quero dançar. Já te disse que não sei dançar!
— Mas se quiser, eu posso ensinar-lhe…
De onde vinha esta voz? As irmãs olharam em simultâneo para um rapaz franzino encostado a um pinheiro.
— Desculpe, ensina-me o quê? — perguntou Mariana, escurecida pela desconfiança.
— Ensino-a a dançar. A menina não acabou de dizer que não sabe dançar?
O rapaz trazia uma boina castanha em declive e um colete aventureiro. Tinha uma expressão larga e viajada, com os olhos a transbordar da cara, certeiramente fixos em Mariana.
— Então, menina… Dançamos?
Inebriada pelo olhar luminoso do rapaz, Mariana aceitou. Nunca tinha dançado com um homem, só com as irmãs na sala da vizinha. O braço dele segurou-lhe firmemente a cintura fina e os seus olhos conduziram-na num movimento de cadência certa. A mão dele doce mel na mão dela.
— Não estejas nervosa. Deixa-te ir…
E Mariana foi. Voaram os dois por cima daquela gente cinzenta como a serra, levados pela música e pelo calor sincronizado das suas mãos. As saias de Mariana rodopiavam tão alto que, por vezes, revelavam a renda do saiote, denunciando o desvario que de repente invadira o seu corpo.
— Mariana, já chega. Temos que ir, senão o pai...
A tarde passou sem que Mariana desse conta. O rapaz continuou a sorvê-la com o olhar enquanto Madalena a puxava pela mão, torta e desordenada. A sua pele ainda pingava o sabor da música, os lábios sorriam-lhe cada vez que sentia o cheiro acre do rapaz na sua mão. O volfrâmio da face dera lugar a um suave pano de linho branco com duas papoilas bordadas.
No dia seguinte, Mariana não foi trabalhar.

4 comentários:

Barroso disse...

:)

Alice Gabriel disse...

;)
Um homem que saiba dançar desencaminha qualquer mulher!...

Barroso disse...

Também tenho essa impressão! :) Escreves bem.

Alice Gabriel disse...

Obrigada...