Aqui, gostam de me ouvir falar. Dizem que falo bem. Então eu falo, aqui, e as pessoas olham para mim como quem olha para um pássaro exótico. Canta, pássaro, canta. Aqui, não conseguem dizer o meu nome. O último. Chamam-me “Sôres”. Que rima com dores, aí, e que quase dizer “dorido”, aqui. Canta, pássaro, canta. Aqui, faltam-me as palavras. Tantas, as minhas, as dos outros. Sinto falta do meu nome sem ser dorido, a exibir o seu hiato bem agudo, quase agressivo. Faltam-me as palavras, aqui. Ontem, vi um pássaro caído no passeio, redondo como um seixo, uma mancha vermelha no peito a queimar-lhe restos de vida. Roubou-me as palavras, o pássaro. Todos os seus contornos eram tão dolorosamente definidos, aguçados, dolorosos como o meu nome. Aqui, gostam das minhas palavras, porque não são minhas. Aqui, não sou eu. Ao lado do pássaro redondo, um cano vertia vapor sobre uma árvore, e o sol da manhã desmaiava-lhe nos ramos epifânicos. A árvore, o sol e a água abraçaram-se ali mesmo, e elevaram o pássaro um pouco acima dos telhados. Não me levaram a dor. Voa, pássaro, voa. Eu não voei, para quê voar, quando se é outra pessoa e se canta, mesmo com dores. Canta, pássaro, canta.

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