Ekphrasis


Levo comigo o casaco da loucura
de nobreza antiga roxa seda
os folhos rotos desmembrados
pelas raízes tortas da lembrança

Esqueço no sótão alumiado
as portas rombas da sequência:
fecho-me em caixas, abro-me em espelhos
e tudo é forte real assombro

Nas noites cegas pela insónia
sou Josefina, feitiço grego
rainha-mãe, princesa-filha
dona de impérios descalçados

Que são os ratos? a minha corte
e os morcegos, bando de eunucos
desafinados trincam-me os pulsos
na triste ilusão de beber cianeto

Entorna-se a luz e aí estás tu
direito e liso contra a parede
― não digas nada, eu vejo em ti
o meu cabelo desarrumado
o meu casaco desapertado
o meu peito descoberto
pelo alvor agudo desta demência

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