Por esta altura, acabavam-se as vindimas. Era com vagar que se pisavam os últimos cachos e se deixava o mosto fermentar, temperado com maçãs verdes para lhe apimentar a febre. Naquele mar púrpura ensanguentado, toda a Natureza explodia no seu excesso de fertilidade.
A terra nem sempre se dá com ligeireza. Alturas há em que decide fechar o seu ventre à chave e não abrir a porta a ninguém. A azeitona, por exemplo, é teimosa e fugidia. No cimo das oliveiras, faz-se difícil nas mãos, arrepiada pelo frio que a multiplica em bagos de gelo. Os dedos ferem-se nas suas arestas quando a tentam roubar à terra que, de boca faminta escancarada, a vai engolindo pelas covas das toupeiras.
A uva nunca me foi resistente, oferecendo-se brandamente em manhãs de Outono que se levantavam mais cedo do que o sol. Lembro-me da generosidade das videiras e das suas costas arqueadas pelo peso dos cachos. Das uvas a rebentarem-me nas mãos, desaguando em pequenos rios de sumo acre por entre os dedos. Vindimar era como descolorir uma terra parda, lavá-la de tintas azuis e lácteas e encontrar-lhe o perfil de montanha solitária.
Quando o sol se apagava, pisavam-se os cachos de braço dado para não cair, numa dança redonda cansada, mas animada pelo ritmo circular da roda, da vida, do vinho. Derretida em água, ficava a uva adormecida em quieta ebulição, devorando a carne das maçãs para alimentar a sua mudança.
O Outono cheirava ao mosto a ferver nas casas, ao ar engrossado pelo seu vapor que teimosamente se colava às narinas e arranhava a garganta. Seguiam-se os pipos, os alambiques e a aguardente, finamente vertida dentro de garrafões forrados com vime escuro. Seguia-se o repouso do vinho, a crescer e a adoçar-se, a fazer-se lenha para aquecer as noites de Inverno que não tardavam em chegar.
A terra nem sempre se dá com ligeireza. Alturas há em que decide fechar o seu ventre à chave e não abrir a porta a ninguém. A azeitona, por exemplo, é teimosa e fugidia. No cimo das oliveiras, faz-se difícil nas mãos, arrepiada pelo frio que a multiplica em bagos de gelo. Os dedos ferem-se nas suas arestas quando a tentam roubar à terra que, de boca faminta escancarada, a vai engolindo pelas covas das toupeiras.
A uva nunca me foi resistente, oferecendo-se brandamente em manhãs de Outono que se levantavam mais cedo do que o sol. Lembro-me da generosidade das videiras e das suas costas arqueadas pelo peso dos cachos. Das uvas a rebentarem-me nas mãos, desaguando em pequenos rios de sumo acre por entre os dedos. Vindimar era como descolorir uma terra parda, lavá-la de tintas azuis e lácteas e encontrar-lhe o perfil de montanha solitária.
Quando o sol se apagava, pisavam-se os cachos de braço dado para não cair, numa dança redonda cansada, mas animada pelo ritmo circular da roda, da vida, do vinho. Derretida em água, ficava a uva adormecida em quieta ebulição, devorando a carne das maçãs para alimentar a sua mudança.
O Outono cheirava ao mosto a ferver nas casas, ao ar engrossado pelo seu vapor que teimosamente se colava às narinas e arranhava a garganta. Seguiam-se os pipos, os alambiques e a aguardente, finamente vertida dentro de garrafões forrados com vime escuro. Seguia-se o repouso do vinho, a crescer e a adoçar-se, a fazer-se lenha para aquecer as noites de Inverno que não tardavam em chegar.
Imagem: Andy Warhol, "Grapes" (c. 1979 - ano de boa colheita...)
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