Ekphrasis II



“E basta de comédias na minh’alma!”
F. Pessoa

Se cansado amuo o pé no banco torto
É porque me criaste coxo, menino baixo
Inacabado por crescer, engasgado na nossa
Animação de penas dissonantes e flores de papel.

Sou pequeno, menino sim, metáfora enfezada se
Assim o entenderes, mas que culpa tenho eu
Dessa tua insensatez que nos atira às
Alcateias nas aldeias e cidades?

Chega de noites ao relento em celeiros.
Basta de pipocas e cornetins a uivar nas arenas.
Chega de anéis em fogo, palhaços rotos e pombas
Brancas: já não tenho sequência para tamanha alegoria.

Tu bem queres que o meu canto seja canora virtuosidade
Plena de dom, rasgo de honor e suavidade; lamento
Mãe, hoje estou doente de palavras, e a palidez
Do fato velho que me compraste é cama lenta

Onde a escassez de palmas me adormece.
Não me atires para a arena de cara suja, com as
Mãos febris e a boca seca; que mãe és tu? Não me tapes
Os defeitos e os assíndetos com lantejoulas e tapetes caros.

As flores ardem com os gritos dos pavões, mãe. O circo segue,
As gentes choram, mas os tambores defumam o eufemismo
Da nossa ausência. Arde-me a língua mãe, quero dormir,
E hoje ficas tu a traduzir as tragédias em comédias.

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