Na Paragem

Sexta-feira, final de uma tarde de Verão. Os carros encaminham-se ansiosamente para o fim-de-semana com o seu brilho maçado pedindo a lavagem de Domingo. O ar já esteve mais quente; a ausência do sol vai dando lugar à frescura nocturna, tão típica dos Verões adolescentes. E o 26, que nunca mais chega…
Sentada na paragem do autocarro, uma rapariga menina segura papéis nervosos. Ao meu lado, dois jovens, cujo olhar denuncia algo semelhante a um namoro, vigiam malas e sacos. “Olha, vem aí o 5!” E assim segue o suposto casal, com as suas malas e o seu fim-de-semana. Espreito o relógio. O 26 deve estar a chegar.
Quando levanto os olhos do pulso impaciente, chegam mais duas pessoas à paragem: uma mulher colorida, de idade madura e generosa, e um homem, de cabelo pardo, carregando também algumas décadas, cego.
Chega finalmente o 26. O autocarro abranda, buzina, pára. O homem reage ao som afunilado; estremece em movimento de partida, despede-se da mulher colorida. “Obrigado, bom fim-de-semana”. Entramos todos no 26: a menina nervosa, eu, e o senhor, que pede ao condutor que pare uns 5 metros mais à frente da paragem tal e tal.
Enquanto observo do primeiro andar em movimento as vidas abertas nas janelas dos carros, penso nas várias existências que decorrem paralelamente à minha, aparentemente semelhantes, mas tão diferentes. Duas pessoas na mesma paragem, à espera do mesmo autocarro. Eu, ansiosa por um número; o senhor, ansioso por um som. Ambos transportados numa corrida veloz em direcção ao alívio semanal. Eu, como de costume, construindo narrativas a partir das imagens retalhadas dos outros. O homem, com o rosto um pouco inclinado, ouvindo, acariciando os limites das coisas com o olfacto, tecendo as suas próprias narrativas.
O autocarro pára 5 metros mais à frente da paragem tal e tal. O senhor levanta-se, “Obrigado, bom fim-de-semana”, e sai. Segue depois encostado a um muro, pardo como o seu cabelo, tacteando o cimento rugoso feito mapa. Afasta-se, lentamente, em passos curtos e cronometrados, um pouco mais leves do que ontem, mais pesados do que amanhã. Ou talvez não.

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