O que mais me assusta na doença é a consciência aguda que nos faz ter do corpo (da carne, matéria, víscera), como nos desapodera de um terreno que pensávamos ser nosso e inteiro.
Sem licença nem aviso, a doença empurra-nos para fora do corpo, e fica ali, entranhada no subsolo, a crocitar por entre os corvos nos algares da epiderme.
(Re)formamo-nos pois no exterior: voz, modulação, prisma. Somos satélites, errando uma órbita forçada rodando longe, perto, à volta de uma terra que não é nossa mas onde ainda queremos ser. Nós.
E rodamos.
Rodamos, rodamos, reflectindo ora a crosta em sofrimento rubro, ora o nada negro de fora cheio de nada. Nada negro, nada negro, rubro.
Rodamos, rodamos, compadecidos daquela pequenez absorvida pela opacidade cósmica.
Rodamos, rodamos, observando, da nossa rota oblíqua, o doloroso espasmo da matéria a querer ser redonda perfeição.
Rodamos, à espera que o magma se acerte na sua convulsão gravítica, alinhando carne, pedra, e fuligem. Esperamos pela sutura, pela força da cicatrização que nos deixe regressar ao leito das falésias sísmicas. Ou à serenidade das montanhas envelhecidas.

O regresso (a haver) traz consigo o alívio da vida em génese, a reaproximação ao início dos cheiros como quando se volta à casa onde sempre se viveu desde a criação de todos os mundos.

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